CUMPRIMENTO DE MANDADO DE PRISÃO POR AGENTES DA LEI E A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO
Tema que ainda gera debates na comunidade jurídica é a possibilidade de os policiais ingressarem no interior de uma residência para cumprir um mandado de prisão sem que neste haja, expressamente, autorização para entrada em domicílio.
Observamos que análise dos dispositivos que tratam do cumprimento de um mandado, seja de prisão, seja de busca e apreensão, são feitas por estudiosos puramente juristas, sem qualquer experiência prática acerca da complexidade que envolve essa diligência estritamente policial. Os dispositivos legais são analisados sob uma ótica estritamente jurídica e acadêmica, sem considerar os aspectos fáticos, operacionais e táticos que envolvem o cumprimento desta ordem emanada do Poder Judiciário.
Este, acreditamos, ser o erro que acaba gerando as divergências doutrinárias e jurisprudenciais que levam, algumas vezes, à anulação do ato e acaba por colocar em liberdade, criminosos perigosos, jogando por terra, todo o trabalho policial e desconsiderando os riscos, muitas vezes de vida, que correram os policiai para efetivar o cumprimento de um mandando judicial.
Assim, partindo de uma interpretação jurídica das normas que regulam o cumprimento do mandado, será possível perceber que, sem considerar aspectos operacionais e táticos, a adoção de alguns entendimentos, poderá tornar letra morta os dispositivos que regulam o cumprimento de um mandado, ou mesmo aumentar, exponencialmente, os riscos para as vidas de policiais, alvos e terceiros envolvidos no cenário do cumprimento desta importante diligência.
O Código de Processo Penal, em seu artigo 240 §1º inciso “a”, prevê que a busca domiciliar será autorizada quando houverem fundadas razões para “prender criminosos”.
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
a) prender criminosos;
O dispositivo foi previsto no Código de Processo Penal de 1941 e deve ser analisado e interpretado em consonância com a Constituição Federal de 1988 e, ainda, com a evolução fática dos riscos que envolvem a atividade policial, que, atualmente, é muito mais perigosa do que a realidade daquela época.
Vale destacar que, na época, o mandado de busca e apreensão poderia ser expedido pela Autoridade Judicial e Autoridade Policial, conforme prevê o artigo 241 do diploma processual.
Art. 241. Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado. (grifo nosso)
A Constituição da República de 1988, ao ser promulgada, previu em seu artigo 5º inciso XI, a impossibilidade de se ingressar na residência de alguém, sem que haja prévia “determinação judicial” não sendo recepcionado, em parte, o dispositivo citado.
Art. 5º […]
XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
É entendimento pacífico que o artigo 241, no que se refere à possibilidade de a Autoridade Policial expedir mandados de busca e apreensão, não foi recepcionado pela Constituição Cidadã de 1988.
“não mais vige a possibilidade da autoridade policial,pessoalmente e sem mandado, invadir um domicílio, visto que a Constituição Federal garantiu a necessidade de determinação judicial” (NUCCI, Guilherme, E-Book)
“Já quanto ao delegado, ao executar o ato, estará obrigado a apresentar o mandado, pois a tutela constitucional do domicí.lio assim o exige (art. 5°, ‘ XI, CF/1988). Desta forma, entendemos que o referido artigo rlão foi recepcionado pela Constituição Federal.” (TÁVORA Nestor; de ALENCAR Rosmar Antonni Rodrigues. p. 746.)
Assim, não resta dúvida acerca da impossibilidade de o Delegado de Polícia determinar, por autoridade própria, a expedição de mandado de busca a apreensão.
No entanto, deve-se atentar para a interpretação sistemática desses dispositivos. A Constituição considera a casa asilo inviolável e condicionou, excepcionalmente, o ingresso no local em apenas cinco hipóteses: consentimento do morador; flagrante delito; em caso de desastre; para prestar socorro; e, durante o dia, por determinação judicial.
Nos interessa aqui a última hipótese. Definido que não cabe ao Delegado de Polícia expedir mandado de busca e apreensão, analisando o artigo 5º inciso XI da Constituição Federal e artigo 240 do Código de Processo Penal, podemos inferir que a alínea “a” deste dispositivo processual também não foi recepcionada pela Carta Republicana. Vejamos.
A Constituição, ao tratar do ingresso em domicílio prevê que fora dos casos em que houver um crime sendo praticado no local, que ensejaria a prisão em flagrante, caso de desastre ou prestar socorro, exigem o ingresso para salvar vidas, a entrada somente é permitida se ocorrer durante o dia e com autorização judicial, ou seja, com mandado.
Note que a Carta Maior não restringe o conteúdo da autorização, especificando se o mandado é de prisão ou busca e apreensão. O mesmo inciso trata de “casa” e “flagrante”, sendo esta, modalidade de prisão cautelar, assim, havendo mandado, está autorizado o ingresso no local, seja para diligência de busca e apreensão, seja para prender criminoso.
Pode-se inferir que, se expedido um mandado de prisão, implicitamente, está sendo autorizado o ingresso da polícia no local em que o alvo se encontre.
Sendo a Constituição do ano de 1988 e norma hierarquicamente superior ao Código de Processo Penal, portanto, não há dúvidas acerca da não recepção da previsão do artigo 240 §1º inciso “a” do diploma penal adjetivo.
Comprovando que eventual exigência de autorização específica para ingresso em residência quando do cumprimento do mandado de prisão não foi recepcionado, a Lei 12.403/11 alterou a redação do artigo 283, justamente pra pacificar o entendimento e manter a aplicação sistemática da Constituição e diploma processual penal.
O artigo 283 do Código de Processo Penal traça regras a serem observadas para o cumprimento de um mandado de prisão, impondo, como única exigência, que seja respeitadas as regras quanto a inviolabilidade do domicílio, quais sejam, aquelas previstas na Constituição Republicana.
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (grifo nosso)
…
§ 2º A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio.
Com efeito, havendo ordem escrita da autoridade judiciária competente, ou seja, a determinação judicial, é possível cumprir o mandado de prisão de um alvo que se encontra no interior de uma residência. Este é o entendimento do professor Guilherme de Souza Nucci
“Não há necessidade de autorização judicial específica para o arrombamento das portas e ingresso forçado no ambiente, que guarda o procurado, pois o mandado de prisão e a própria lei dão legitimidade a tal atitude.”. (NUCCI, Guilherme de Souza. p. 524.)
Confirmando este entendimento, o próprio Código de Processo Penal, no título IX, ao tratar de “prisão”, já previa a possibilidade de se ingressar na residência, independentemente de ordem judicial específica.
Art. 293. Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.
O dispositivo autoriza, expressamente, que os policiais ingressem na residência em caso de recusa do morador de entregar o alvo procurado, limitando a atuação policial apenas que a realização da diligência ocorra durante o dia.
Este é o entendimento que vêm prevalecendo na doutrina.
“havendo necessidade de prisão em flagrante ou prisão em decorrênciade mandado judicial, não há necessidade de outro mandado para a busca” (NUCCI, Guilherme, E-Book)
“Na hipótese de o morador se recusar a entregar a pessoa, de maneira a se caracterizar possível prática de crime de favorecimento (art. 348, CP), o executor do mandado poderá conduzi-la à autoridade policial para a lavratura do flagrante (art. 293, parágrafo único, CPP).” (PACELLI, Eugênio, E-Book)
“na hipótese de prisão por mandado, se o executor constatar que o capturando entrou ou se encontra em alguma casa, deverá intimar o morador a entregá-lo, mediante apresentação da ordem de prisão. Havendo concordância por parte do morador, franqueando o acesso do executor ao domicílio, a prisão poderá ser efetuada durante o dia ou até mesmo durante a noite” (LIMA, Renato Brasileiro. p.817)
Alguns doutrinadores ainda defendem a tese de que o mandado deve prever a residência específica que será invadida.
“Entendemos que o mandado de prisão deve se fazer acompanhar por autorização judicial para o ingresso domiciliar. Não bastaria a mera ordem prisional para que o domicílio pudesse ser invadido. É essencial que a autoridade judicial especifique em que residência a diligência será realizada, cumprindo a exigência do art. 243, inciso I do CPP.” (TÁVORA Nestor; de ALENCAR Rosmar Antonni Rodrigues. p. 895.)
“Entretanto, se o mandado de prisão não vier acompanhado de uma autorização para entrada no domicílio e autorização judicial, os executores nada poderão fazer. Restar-lhe-á apenas, cercar a casa e providenciar a autorização judicial” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. p 467.)
“além do mandado de prisão, seu executor terá de ter ordem do juiz competente para adentrar no domicílio onde se encontra a pessoa que deva ser presa. O mandado de prisão, por si só, não supre essa exigência provinda da Magna Carta Federal” (MOSSIN, Heráclito Antônio. p. 565.)
Concordar com este entendimento, praticamente se estará inviabilizando o cumprimento de qualquer mandado de prisão e colocando em sério risco de vida, todos os envolvidos na diligência, conforme veremos adiante.
Também, adotando esse entendimento, por coerência, teríamos que admitir que, nos termos do artigo 240, §1º inciso “g” do Código de Processo Penal, para proceder ao resgate de uma vítima de crime, a polícia, antes de resgatá-la, tivesse que representar para que a Autoridade Judicial que os policiais entrassem na residência em que é mantida a refém.
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
[…]
g) apreender pessoas vítimas de crimes;
Para aplicação eficaz da norma penal, e ao final, afetiva aplicação e cumprimento da pena pelo autor de uma infração penal, não se deve analisar as normas processuais penais sem considerar outros aspectos, principalmente aqueles que podem influenciar, diretamente na validade das diligências que precederam a fase processual.
Sobre o tema, vale citar o Ilustre Professor e Delegado de Polícia, André Luiz Bermudez, e sua obra, Investigação Criminal Orientada pela Teoria dos Jogos:
“Destarte, é conditio sin qua non para aplicação da pena o exercício do Processo Penal, que se desenvolve de acordo com normas próprias, possuindo suas relações de poder como em um jogo, com suas nuances e dinâmicas. Tal contexto demonstra que o resultado do processo não depende exclusivamente do desempenho das partes e da aplicação das normas processuais, mas sofre influência decorrente da interação estratégica entre os atores processuais e das relações estabelecidas, até mesmo distantes da sala de audiências ou do rito procedimental”. (BERMUDEZ, André Luiz. P.122/123)
Implicações operacionais e táticas, aspectos eminentemente policiais, também devem ser considerados para a análise jurídica das regras que regulam o cumprimento de um mandando de prisão.
MANDADO DE PRISÃO: ASPECTOS OPERACIONAIS E TÁTICOS
A divergência jurídica explanada acima estuda os dispositivos legais dissociados da realidade fática em que a diligência referente a um mandado de prisão irá ocorrer.
Isso ocorre em razão do desconhecimento, pelas autoridades puramente jurídicas, Magistrados, membros do Ministério Público, Defensores Públicos e Advogados, acerca das circunstâncias operacionais e táticas a serem empregadas pela Polícia Judiciária, para o efetivo e, mais seguro possível, cumprimento do mandado judicial de prisão, seja ela definitiva, preventiva ou temporária.
É impossível prever, de antemão, o local em que um alvo de um mandado de prisão se encontra e, mesmo que se tenha conhecimento deste local, o trâmite processual a ser formalizado para se obter um mandado específico seria demasiadamente lento e, quando fosse expedido o mandado, fatalmente o alvo não estaria mais no mesmo local.
Portanto, exigir que no mandado de prisão haja previsão expressa da residência onde se encontra o alvo seria um absurdo jurídico, operacional e tático.
Explanamos as razões jurídicas pelas quais entendemos não ser exigida autorização específica para o ingresso em residência quando do cumprimento de mandado de prisão. A interpretação sistemática das normas permite, perfeitamente, a adoção deste entendimento.
Há outros motivos, de ordem prática, que demonstram ser inviável tal exigência. São razões de ordem operacional e tática, de conhecimento específico das polícias e, especificamente, do Delegado de Polícia, única autoridade que detém, ao mesmo tempo, conhecimento jurídico e policial para avaliar e operacionalizar, juntamente com sua equipe, de forma mais segura, o efetivo cumprimento do mandado.
Expedido um mandado de prisão, a polícia passa, antes de dar inicio ao seu efetivo cumprimento, a analisar as implicações operacionais e táticas a serem empregadas nesta diligência.
Primeiramente se faz um planejamento operacional, com o levantamento dos registros do alvo. Os policiais precisam saber qual o tipo de criminoso com quem estão lidando. Verifica-se se pertence a alguma organização criminosa, os tipos de crimes que costuma praticar, se há histórico de comportamento violento, outras investigações que tenha sido alvo, se costuma usar arma de fogo ou arma branca, locais que costuma frequentar, círculo social, locais onde pode ser encontrado, entre outras.
Em seguida, faz-se análise para definir a opção tática a ser adotada pela equipe de policiais, definindo o número de policiais necessários ao cumprimento do mandado com segurança, o tipo de armamento a ser utilizado (pistolas, carabinas, espingarda calibre 12, etc.), os equipamentos a serem empregados (escudo balístico, material de arrombamento – aríete ou explosivos, viaturas, etc.), quantidade de pessoas que podem estar no local e quais pessoas que podem estar no local (se familiares ou comparsas do alvo), o próprio local e imediações a ser diligenciado (área dominada por facções, se há empresas, se há pontos de elevação, geografia do local, comunidades com corredores estreitos, etc.).
“Uma ação policial que envolva o cumprimento de um mandado de busca e apreensão ou de prisão deve ser cercada de muitos cuidados, pois a identificação precisa do local onde o alvo se encontra é primordial para o sucesso da operação. A escolha do dia e hora exata para sua execução deve ser uma decisão estratégica, por parte da equipe. O reconhecimento preciso do local com uma análise específica e precisa de sua localização geográfica, estrutura física e tipo de instalações devem ser os principais pontos a serem observados” (SOUZA, Marcos Vinicius Souza de. p. 30)
No plano operacional, a exigência de autorização prévia para ingressar no local onde se encontra o alvo pode inviabilizar todo o planejamento e impedir o cumprimento do mandado.
Aquele que tem a possibilidade de ter contra si, expedido um mandado de prisão, não vai permanecer no mesmo local por muito tempo. Nesses casos, a realidade fática e a realidade jurídica são inconciliáveis. Há casos em que o alvo se muda de residência a cada dia, passando a noites em residências de familiares e amigos. É impossível identificar todas as casas em que pode ser localizado e representar pela busca e apreensão do indivíduo em cada uma delas. Além disso, fatalmente o alvo será perdido se o mandado, assim que descoberto o local onde se encontra o alvo, não for cumprido o mais rapidamente possível.
Deve-se atentar ainda, para os graves problemas estruturais que as polícias judiciárias passam por todo o Brasil, sofrendo com a falta de estrutura e equipamentos adequados, além da falta de efetivo policial. Tais circunstâncias devem ser consideradas, pois influencia diretamente na forma como se irá operacionalizar o cumprimento de um mandado.
Tais fatos também implicam em graves problemas no plano tático.
Assim que definido o plano operacional, inicia-se a preparação para a ação tática a ser adotada. O planejamento tático é feito conforme o local a ser diligenciado, portanto, impossível que os policiais, a depender da natureza criminosa do alvo do mandado, possa assimilar muitas formas de planejamento tático para diversas residências.
O ingresso em uma residência demanda conhecimento policial de técnicas de CQB – Close Quarters Battle, sigla que identifica técnicas militares e policiais para combate em ambientes confinados. São técnicas usadas pelos policiais em operações que envolvam a possibilidade de confronto com o alvo em locais onde ambos estão muito próximos, em média, entre 7 a 3 metros um do outro.
“São confrontos travados em ambientes urbanos, como interior de casas, prédios ou salas, durante ações de resgate ou até cumprimento de mandados de prisão ou ações para desalojar terroristas.” (SOUZA, Marcos Vinicius Souza de. p. 15)
Um planejamento operacional ou tático mal feito, ou realizado por quem não tem conhecimento dos aspectos fáticos que envolvem o cumprimento de um mandado pode resultar em fatalidades para os atores envolvidos no teatro de operações.
Os locais e distâncias envolvidas colocam os operadores responsáveis pelo cumprimento da diligência em situação na qual não se pode errar, vez que, havendo uma ocorrência fora do planejado, a depender do grau de perigo representado pelo alvo, o operador não terá tempo de corrigir seu deslize.
Nesse sentido, para evitar a fuga do alvo e reduzir os riscos da ação policial, para os próprios policiais e para outros indivíduos que possam estar no local, faz-se necessário uma ação rápida, o que não se coaduna com a exigência de mandado específico para ingresso na residência.
Podemos citar o exemplo de um procurado perigoso e armado que se encontra em uma residência com familiares. Após ser descoberto, uma ação rápida deve ser adotada pelos policiais. Hesitar em ingressar na residência, se durante o dia, poderá permitir que o alvo saia do local, impedindo o cumprimento do mandado de prisão.
Estabelecer vigilância no local, como defende parte da doutrina não é uma medida policial adequada.
Os policiais, parados em local onde não são conhecidos, podem ser identificados e se tornarem alvos de criminosos. Pode, ainda, o agente criminoso, percebendo que será alvo de uma ação policial, preparar-se para resistir, armando-se ou mesmos fazendo refém algum familiar. Isso quando os próprio familiares não passam a oferecer resistência ao cumprimento da diligência, elevando o risco para os policiais e para todos os envolvidos.
Não é a toa que, as técnicas de CQB (Combate em Ambiente Confinado), táticas operacionais para cumprimento de mandados que oferecem risco, têm como fundamentos a velocidade, a surpresa e a agressividade ou ação de choque. Além disso, técnicas de combate armado exigem que o policial mantenha seu ciclo OODA (Observar, Orientar, Decidir e Agir) à frente do ciclo de seu oponente, sob pena de ser alvejado.
Portanto, identificado o local, e tendo os policiais determinação judicial para prisão de um indivíduo, perfeitamente possível o ingresso dos agentes da lei no local para efetivar sua prisão. Tal conduta, além de juridicamente aceita, permite o cumprimento da ordem de forma mais segura para os policiais, alvo da prisão e demais pessoas presentes no teatro de operações.
CONCLUSÃO
A análise de dispositivos normativos e sua interpretação demanda não apenas um estudo eminentemente jurídico do dispositivo.
Foi demonstrado que é possível encontrar argumentos e fundamentos jurídicos para concordar ou não com a tese da possibilidade do ingresso em residência, sem exigência de mandado de busca e apreensão específico.
No entanto, foi demonstrado, também, que a visão puramente de estudiosos do direito, visão estritamente jurídica, sem considerar aspectos fáticos que influenciam no cumprimento de uma ordem legal, não é suficiente para permitir a eficácia da norma.
A interpretação deve observar outros aspectos, que demandam conhecimentos de outros segmentos, vez que a adoção de determinados entendimentos, pode levar a ineficácia da norma e impedir o cumprimento de ordens das autoridades públicas.
Na esfera penal, no caso de normas que tratam de investigação criminal, produção de provas, atos de polícia judiciária, etc. desponta o cargo de Delegado de Polícia como uma função ímpar, vez que, exigida a formação jurídica e sendo integrante de uma instituição policial, nestes aspectos, torna-se um profissional com um conhecimento “jurídico-policial” que não existe nas demais carreiras, podendo agregar à interpretação das normas, pontos de vista cujos demais cargos não têm conhecimento.
Tais características permite que, ao mesmo tempo, o trabalho policial possa ser realizado de forma planejada nos aspectos operacionais e táticos, e dentro dos limites legais, reduzindo os riscos de impugnações das ações policiais na fase processual.
Verificado que a norma pode permitir interpretações contrárias, ao acrescentarmos os aspectos operacionais e táticos necessários ao cumprimento de um mandado de prisão, dirimimos qualquer dúvida quanto a viabilidade de se exigir uma ordem específica para ingresso em residência, para se cumprir esse mandado.
Portanto, em que pese a divergência doutrinária, está demonstrado que as peculiaridades da atividade policial para o cumprimento da diligência indicam que, a expedição do mandado de prisão é suficiente para que os policiais responsáveis pelo seu cumprimento possam, independentemente de autorização específica, ingressar na residência onde o alvo se encontra, sob pena de extrema elevação do risco a integridade física e até mesmo à vida dos envolvidos.
BIBLIOGRAFIA
Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal comentado / Renato Brasileiro de Lima – 2. ed. rev. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2017.
MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao código de processo penal. São Paulo: Manole, 2005.
Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado / Guilherme de Souza Nucci. – 15. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016.
Nucci, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal / Guilherme de Souza Nucci. – 11. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro : Forense, 2014.
Pacelli, Eugênio. Curso de processo penal / Eugênio Pacelli. – 21. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.
PEREIRA, André Luiz Bermudez. A Investigação Criminal Orientada pela Teoria dos Jogos. Florianópolis: Emais, 2018
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, vol 3. 34. ed., rev. e de acordo com a Lei n. 12.403/2011. São Paulo: Saraiva, 2012.
SOUZA, Marcos Vinicius Souza de. CQB-CTTE: Combate em Ambiente Fachado/Marcos Vinicius Souza de Souza. – Porto Alegre: Alcance, 2019.
TÁVORA, Nestor Curso de direito processual penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar -12. ed. rev. e atual. -Salvador: Ed. JusPodivm. 2017.
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*Tiago Gonçalves Escudero é ex-Militar da Força Aérea, onde atuou no Batalhão de Infantaria. Atuou, ainda, como advogado em São Paulo, e posteriormente como Analista (Assistente Jurídico) no Ministério Público do Estado de São Paulo, principalmente, no Grupo de Combate à Lavagem de Dinheiro e Delitos Econômicos – GEDEC. Atualmente, é Delegado de Polícia Civil no Estado de Santa Catarina.